
Sessenta anos após a primeira missão para Marte, a
Mariner 4, que tinha o objetivo de registrar imagens do planeta
vermelho, a expedição envolvendo o veículo rover Perseverance
já é considerada a mais animadora pela comunidade científica e a mais
próxima de localizar vida fora do planeta Terra.
Esta é a constatação da Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) que, no último dia 10, anunciou possíveis indícios de bioassinatura em uma rocha, localizada na cratera de Jezero.
Na região marciana, onde há bilhões de anos correram rios e lagos, uma combinação de minerais e material orgânico localizados em uma rocha, chamada de Chevaya Falls, pode indicar a existência de vida antiga.
Seria uma espécie de microfóssil, resultado do metabolismo microbiano expelido após se “alimentarem’’ de material orgânico, explicaram cientistas da agência espacial.
A notícia, que já circulava em laboratórios da Nasa há cerca de um ano veio a público agora, após a revisão por pares de cientistas e com a publicação de um artigo na renomada revista Nature.
Os achados foram considerados relevantes por uma equipe internacional de cientistas, mas não são conclusivos, aponta o artigo. Isso porque também existe a possibilidade de se tratar de uma ação abiótica, decorrente de um processo químico não biológico, ou seja, sem presença de vida.
Para a astrônoma brasileira Rosaly Lopes, vice-diretora de Ciências Planetárias do Jet Propulsion Laboratory (Laboratório de Propulsão a Jato, em tradução livre) da Nasa, embora os resultados das análises do Perseverance sejam animadores, eles só serão conclusivos após a checagem da amostra em laboratórios terrestres.
O administrador interino da Nasa, Sean Duffy, informou que trazer a
amostra de volta para a Terra depende ainda da avaliação de orçamento,
do tempo e da tecnologia que seria empregada na missão de resgate.
Corrida Espacial
Mesmo com os desafios para confirmar a existência de vida em Marte, a Nasa está a todo vapor na corrida espacial, no páreo com países como China, Índia e Rússia.
Estes países se unem ao jogo para ver quem desvenda primeiro a grande questão sobre o Universo: estamos sós nesta imensidão?
Em entrevista exclusiva à TV Brasil a astrônoma brasileira Rosaly Lopes abordou temas como as futuras missões espaciais lideradas pela Nasa, onde ela trabalha há mais de 30 anos, e sobre o quão próximo estamos de respostas de vida no nosso Sistema Solar.
“Um dos maiores objetivos agora da Nasa, da nossa comunidade científica, é saber se existiu vida em outros mundos.”
Confira trechos da entrevista:
Agência Brasil: O recente anúncio da Nasa, sobre a missão envolvendo o rover
Perseverance e a potencial bioassinatura em rocha no planeta Marte,
animou a comunidade científica sobre a possibilidade de descoberta de
vida fora da Terra. Qual era o clima entre os colegas astrônomos e
cientistas envolvidos na pesquisa e em outras missões espaciais às
vésperas e após o anúncio público desta notícia, considerada pela Nasa a
mais próxima de achar vida fora da Terra?
Rosaly Lopes: Esse resultado já tinha sido anunciado
entre os cientistas assim que descobrimos a rocha, há pouco mais de um
ano, e os instrumentos do robô Perseverance fizeram as primeiras
análises da amostra, chamada Cânion Safira.
A diferença, agora, é que o artigo científico foi publicado. E isso quer
dizer que, no princípio, antes de todas as análises terem avançado,
ainda se tinha muita dúvida.
Isso porque o resultado encontrado na rocha talvez possa ser abiótico
[decorrente de processos químicos, mas sem presença de vida], já que as
análises ainda não foram finalizadas. Mas agora, a publicação do artigo
em uma revista científica como a Nature demonstra que a comunidade científica diz que as análises são boas.
Isso faz com que esse resultado não seja considerado, ainda, como prova
de vida fora da Terra, mas é mais aceito, agora, como grande
possibilidade de ser um sinal de vida – que chamamos de uma
bioassinatura em Marte.
É importante trazer essa rocha de volta porque as análises que o robô
pode fazer e a que a gente pode fazer aqui nos laboratórios da Terra não
se comparam. Realmente, para fazer uma análise profunda e demonstrar
que isso é um sinal de vida, tem que ser feito aqui na Terra.
Agência Brasil: Embora os estudos continuem sendo realizados, há limites para atuação do rover Perseverance em Marte. Qual a principal complexidade para o avanço das pesquisas?
Rosaly Lopes: É porque muitos sinais, como este, podem
ter explicações abióticas. Isso quer dizer que não tem ação ou registro
de vida, são processos químicos que podem ter ocorrido. Então é difícil
provar, principalmente com essas medidas que o robô fez, que são muito
limitadas. Você não pode mandar um grande laboratório para Marte, porque
seria muito grande, muito pesado. Então, ainda tem a possibilidade de
isso ser abiótico, e para saber com certeza mesmo nós temos que trazer a
amostra de volta para a Terra.
Agência Brasil: A amostra recolhida pelo
Perseverance, Cânion Safira, vem de uma rocha localizada em um vale onde
há bilhões de anos passavam rios e lagos. E a comparação com os
minerais decorrentes do metabolismo de vida microbiana nos leitos de
rios aqui na Terra foram essenciais para os parâmetros de comparação com
a amostra de Marte. Como estudar a origem da vida no nosso planeta pode
nos ajudar com as missões em outros planetas e luas?
Rosaly Lopes: As pesquisas na Terra nos ajudam muito a
pesquisar a possibilidade de vida em outros planetas. Então, por
exemplo, as rochas antigas na Terra que mostram sinais de vida, que
mostram que existiu vida naquela época antiga da Terra, todos os sinais
estão lá nas rochas. Mas a aplicação para outros planetas realmente não é
fácil, porque as condições são diferentes.
É muito importante que a gente pesquise se a vida evoluiu em outro
planeta, porque até hoje nós não sabemos se a evolução da vida em um
planeta é uma coisa muito fácil ou muito difícil. Porque nós só temos um
exemplo e esse exemplo é a Terra. E você não pode fazer nenhuma
estatística com só um exemplo.
Então, é um dos maiores, digamos, objetivos agora da Nasa, da nossa
comunidade científica, é saber se existiu vida em outros mundos. Mas
provar, principalmente sem trazer material de volta para a Terra, é
difícil, porque existem, na maior parte do tempo, explicações, que o
processo pode ter sido abiótico, quer dizer que não foi causado por
vida.
Agência Brasil: Vamos falar um pouco sobre as
próximas missões da Nasa. Estamos a caminho de missões importantes, como
a Dragonfly, que vai sobrevoar Titã, com uma espécie de super drone.
Essa lua de Saturno é formada por lagos e tem geologia muito semelhante à
da Terra. Em que etapa dos preparativos estamos desta que é considerada
a primeira missão aérea para outro mundo?
Rosaly Lopes: A missão Dragonfly é uma missão com
drone que vai a Titã e tem dentro desse drone vários instrumentos, como
se fosse um pequeno laboratório para procurar material orgânico e
possibilidades que a vida evoluiu em Titã, uma das luas de Saturno.
A missão foi confirmada e agora está sendo preparada para ser lançada
por volta de 2028, 2029. Isso depende muito de orçamento, mas a missão
já está confirmada. Isso quer dizer que a Nasa vai dar recursos para
essa missão.
O objetivo principal da Dragonfly é achar sinais de que talvez a vida
tenha evoluído em Titã. Será uma missão muito interessante, mesmo não
achando esses sinais de vida, porque vai estudar muito sobre a geologia
de Titã, que é uma das luas mais fascinantes do sistema solar.
Agência Brasil: Já a missão Psyque, lançada em 2023,
pretende investigar um asteroide, entender a origem desse objeto rico
em metais a orbitá-lo. Recentemente, tivemos informações de um objeto
interestelar com comportamento considerado atípico em relação à
trajetória e velocidade, o 3I/Atlas. Mas mesmo com características
raras, e até teorias sobre um possível objeto não identificado, segundo
artigos científicos trata-se de um cometa vindo de outro sistema solar.
Existe algum tipo de preocupação com estes objetos celestes? Por que
precisamos conhecê-los melhor?
Rosaly Lopes: Isso é muito interessante. Não é o
primeiro objeto interestelar que nós achamos [antes, já foram
localizados Oumuamua, em 2017; e 2I/Borisov, em 2019]. E pelas
observações, achamos que realmente é um cometa. Mas seria muito
interessante estudar esse objeto, porque ele vem de outro sistema solar.
E isso nos daria a possibilidade de saber se os cometas em outros
sistemas solares são realmente iguais aos do nosso sistema solar, ou se
têm características diferentes.
O problema é que nós não temos ainda um jeito de lançar rapidamente uma
missão para estudar esses objetos interestelares. Quando eles aparecem, é
questão de meses e não, de anos para nós prepararmos uma missão. Mas
nós vamos usar todas as missões possíveis que nós temos, que a Nasa tem,
para tirar imagens do 3I/Atlas.
Inclusive a missão Psyche está se preparando para fazer imagens
distantes, claro, desse cometa. Já se falou, entre os colegas
cientistas, sobre a possibilidade de fazer uma nave que possa ser
lançada rapidamente, caso um desses objetos interestelares venha de
novo, mas ainda não se obteve os recursos para isso. A nave ficaria
armazenada até um objeto interestelar vir e mesmo assim a trajetória
pode ser difícil. Então, realmente há estes problemas que dificultam o
lançamento de uma missão para um objeto interestelar como este.
Agência Brasil: A missão Artemis volta às incursões
na Lua, inclusive com a presença, pela primeira vez, de uma astronauta, a
Cristina Koch. Prevista para 2026, a missão vai sobrevoar o nosso
satélite, mas segundo Sean Duffy, o administrador interino da Nasa, a
ideia é voltar a deixar a pegada norte-americana na Lua. Como a senhora
percebe a importância dessa representatividade das mulheres neste
momento? Acredita que este é um impulsionamento para atrair mais meninas
e mulheres dedicadas às ciências espaciais?
Rosaly Lopes: A missão Artemis II, que a Cristina Koch
vai, ela não vai pousar na Lua, ela vai sobrevoar ao redor da Lua. Eu
acho a presença de uma mulher nesta missão muito importante, porque
inspira mulheres, meninas, a seguir carreiras em ciência e tecnologia.
Eu já tinha muito interesse em astronomia, mas uma coisa que foi uma
grande inspiração para mim foi ler, em um jornal brasileiro, um artigo
sobre uma moça que trabalhava em Houston, no Centro Espacial de Johnson,
durante o programa Apollo. O nome dela é Poppy Northcutt, e eu a
encontrei pela primeira vez em 2019, porque ela deixou a Nasa e se
tornou advogada. Só de ver uma foto e um pequeno artigo de jornal sobre
uma mulher trabalhando no centro de controles da Nasa foi uma grande
inspiração para mim.
Então, é muito importante porque é uma coisa que as mulheres têm que
saber que elas podem fazer. É o caso também da primeira mulher
astronauta, a Sally Ride, que infelizmente já faleceu, mas eu acho que
ela inspirou muitas outras jovens na época. E uma coisa ainda sobre essa
questão que eu sempre digo é que mulheres são, pelo menos, 50% da
população. Então, não se deve excluir mulheres, 50% da população, de
qualquer área, porque isso representa 50% dos talentos e da inteligência
que pode ser usada para o bem da humanidade.
Clique aqui e leia mais sobre a missão Artemis
Agência Brasil: Por fim, o supertelescópio James
Webb lançado em 2021 tem revelado imagens do Universo até então nunca
vistas. Na sua avaliação, qual imagem ou descoberta é considerada a mais
surpreendente até o momento?
Rosaly Lopes: As imagens do James Webb são
maravilhosas e é muito difícil escolher uma. É bom lembrar que, quando o
James Webb foi proposto e depois construído, ele custou muito, muito
caro e o orçamento foi lá em cima, triplicou (custo estimado de US$10
bilhões).
Muitos cientistas estavam contra fazer isso porque era muito caro e iria
tirar recursos de outras possíveis missões. Mas, realmente, foi um
enorme sucesso. Eu acho que, hoje em dia, todos os cientistas concordam
que realmente valeu à pena. Valeu pelos recursos e pelo dinheiro
investido nessa missão.
Às vezes, para realizar as missões que causam maiores avanços na ciência
é necessário gastar bastante dinheiro. Então, eu acho que o James Webb
foi uma história incrível de sucesso, tudo deu certo e os resultados são
maravilhosos.
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