Tecnologia
Como operam os satélites da Starlink, que já foram confundidos com óvnis e estão mudando o acesso à internet em locais remotos
GZH conversou com usuários da rede que permite a conexão em áreas mais afastadas
26/05/2023 - 15h07minAtualizada em 26/05/2023 - 21h56min
O avistamento de luzes desconhecidas no céu do Rio Grande do Sul causou estranheza em pilotos de aviões, estudiosos e na população a partir do segundo semestre de 2022. Alguns entenderam os sinais luminosos como indícios de objetos voadores não identificados (óvnis), outros diziam ser fenômenos astronômicos. Teve quem aventou a hipótese de presença de vida extraterreste.
O fim do mistério não demorou e trouxe uma explicação tecnológica: as luzes desconhecidas são satélites de internet da rede Starlink que refletem a luz solar. Por orbitarem a Terra a poucos quilômetros do nível do mar, podem ser vistos a olho nu. Além disso, a presença dos equipamentos é um indicativo do início do funcionamento dessa rede no Estado; a autorização para a operação no Brasil havia sido concedida em janeiro do mesmo ano, e os primeiros equipamentos, instalados no segundo semestre.
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Gilberto Garcia, 27 anos, é um dos adeptos. Em janeiro deste ano, o morador de Mostardas, no litoral sul do Estado, pôde, pela primeira vez em 15 anos, conectar-se a uma internet banda larga na propriedade localizada na zona rural, às margens da BR-101.
— Não existe outro meio mais fácil de ter internet — resume.
A Starlink é um projeto da SpaceX, empresa do investidor Elon Musk, dono também da Tesla e do Twitter. Os primeiros usuários brasileiros elogiam a tecnologia, mas reclamam da demora na entrega do kit de instalação. Falta de assistência técnica no país e suporte apenas online são outras queixas comuns. A expansão da rede da Starlink também preocupa cientistas. A alegação é de que os satélites atrapalham observações astronômicas. O lixo espacial na atmosfera é outra crítica a esse modelo de distribuição de internet.
Gilberto esperou dois meses até a chegada dos equipamentos. Foram R$ 3,5 mil pagos e uma mensalidade inicial de R$ 293, que depois baixou para R$ 235. A tecnologia é construída para que seja ativada por pessoas sem conhecimento técnico.
— Raramente pego 4G (na propriedade); em casa, só 3G. Não conseguimos internet via rádio. Há três anos a fibra (óptica) passa no sítio e, mesmo assim, o provedor não quis instalar aqui. Usava o 3G no celular para entrar no WhatsApp. Para ver Netflix, fazia download na cidade e trazia para casa — conta Gilberto.
Os downloads dos arquivos eram feitos na loja da família, no centro de Mostardas, onde havia internet banda larga. No local, Gilberto vendia produtos eletrônicos, acessórios para celular, presentes, entre outros produtos. Com a Starlink em casa desde janeiro, o jovem decidiu alugar o imóvel e migrar o negócio para uma peça no sítio onde mora com os pais.
No ponto, ele diz registrar conexão com velocidades acima de 200 Mbps (megabits por segundo). Conforme o usuário, a internet tem se mostrado confiável, ainda que haja períodos de instabilidade. Por isso, planeja dar continuidade à loja e executar ideias antes impossíveis na propriedade:
— Pretendo fazer a irrigação da horta conectada com o celular. Vou botar câmeras, tudo pela internet.
A Starlink também disponibiliza conexões para uso comercial. Desde agosto de 2022, a Plataforma Skyglass, em Canela, na Serra, utiliza a internet norte-americana como opção caso a internet principal fique indisponível.
– O parque é em uma zona retirada do centro da cidade, não pega sinal de celular. Nós temos apenas um meio de comunicação, que é a internet via fibra óptica. Então, se ocorrer algum problema, ficamos sem comunicação – afirma Lucas Apollo, analista de tecnologia da informação do Skyglass.
A antiga internet tinha custo mensal para o parque de R$ 300, plano de 10 Mbps de velocidade, com franquia de 2 gigabytes de dados.
— Ela não dava conta: a velocidade não suportava tantas requisições ao mesmo tempo, ficava totalmente travada — resume.
Por ser secundária, a conexão da Starlink não é usada todos os dias no parque. Porém, quando acionada, segundo Apollo, a resposta satisfez a demanda. O Sky Glass paga por mês R$ 730 mais impostos no plano empresarial, tem velocidade ilimitada e com franquia de dados de 1 terabyte.
— Temos cerca de cem máquinas conectadas via rede LAN (rede interna) e de cem a 200 aparelhos via Wi-Fi. Para uma comunicação interna, a Starlink mantém toda a conexão bem tranquila. Quando temos o parque lotado com mil, 2 mil pessoas, fica um pouco pesada a comunicação, e ela fica lenta — conta.
Apollo diz que, entre os pontos negativos da tecnologia, estão a falta de um suporte local, o que o obriga buscar atendimento apenas via e-mail ou pelo aplicativo de celular.
Maicon Escouto, dono da InfoTech Gestão de Ativo em TecnologiaMaicon Escouto / Arquivo Pessoal
Maicon Escouto, dono da InfoTech Gestão de Ativo em Tecnologia, comprou a primeira antena da Starlink em agosto de 2022 e recebeu o equipamento 18 dias depois. Desde então, usa a tecnologia para fornecer internet para eventos como shows musicais e congressos no Estado.
— Ligamos na luz, e ela acha o satélite sozinha, automaticamente. Para o meu serviço dá tranquilo. É ótimo para quem tem casa ou fazenda em que não há fibra óptica, e também para quem precisa de um backup (internet reserva) para empresas — relata Escouto, que devido ao bom desempenho comprou uma segunda antena neste ano, que, desta vez, levou dois meses para ser entregue.
O grupo no Facebook “Starlink Brasil” reúne 2,2 mil membros e é utilizado para troca de informações de usuários e interessados na tecnologia. As queixas mais comuns estão relacionadas ao tempo de entrega, já que os envios são feitos dos Estados Unidos. Um usuário que mora em Macapá (AP) disse à reportagem que esperava pelo kit havia três meses.
— Eles prorrogam toda vez que chega na data (de entrega). O atendimento ao cliente é péssimo. A transportadora que trabalha para eles também piorou — comenta Marcos Cunha, um dos participantes do grupo na rede social.
O dispositivo é entregue no Brasil pela DHL, a partir de um armazém em Louveira (SP). A Starlink diz que a entrega do kit ocorre entre quatro e seis semanas após a compra. Às vezes, porém, pode chegar ao cliente antes do planejado:
— Comprei no final de 2022 e chegou em 18 dias. A instalação é rápida, mas o suporte deles é horrível — afirma Jonni Vanzelatti, morador de Joinville (SC).
O suporte é uma reclamação recorrente. A resolução de problemas deve ser feita apenas pelo site. Não há assistência técnica autorizada da Starlink no Brasil. No mês passado, a reportagem de GZH contatou a empresa por meio de um número no WhatsApp de suporte em português. Mas esse contato parou de responder às mensagens.
Imagem da constelação de satélites que mandam sinal de internet. Os objetos em órbita foram confundidos com óvnis recentementeMarco Favero / Agencia RBS
A Starlink lançou os primeiros satélites em 2019, e hoje são cerca de 4 mil. Estima-se que 3,5 mil deles estejam ativos a uma altitude média de cerca de 550 quilômetros, conforme a empresa norte-americana. Os equipamentos pesam cerca de 260 quilos. No início de maio, a SpaceX anunciou ter atingido a marca de 1,5 milhão de assinaturas em 50 países.
— A Starlink é uma constelação de satélites que trocam dados entre si e com a Terra, até que esses dados sejam retransmitidos para o usuário final – resume Marcelo Zanetti, coordenador do curso de Engenharia de Computação e professor dos cursos de Engenharia Aeroespacial e de Telecomunicações da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
O fato de terem órbitas baixas impacta o desempenho da internet, pois é menor o tempo que uma solicitação leva para ser transferida de um ponto a outro, intervalo que é conhecido como latência. A Starlink diz que seus equipamentos têm latência de 25 milissegundos, contra média de 600 milissegundos dos satélites geoestacionários, uma redução de aproximadamente 96%.
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Os satélites geoestacionários são usados há décadas para comunicação. Eles acompanham o movimento de rotação da Terra a 36 mil quilômetros de altitude e “apontam” para o mesmo lugar do planeta.
— Quanto mais alto estiver o satélite, maior será o tempo de propagação do dado (latência). A Starlink é estruturada em camadas, com altitudes mais baixas e outras mais altas, para aumentar a eficiência da comunicação entre usuários. Independentemente de onde estejam (os satélites), a rede vai encontrar a melhor rota para os dados entre dois usuários que estão transmitindo entre si — acrescenta o professor da UFSM.
Em janeiro de 2022, a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) aprovou o direito de exploração de satélites à SpaceX, acordo que é válido até 28 de março de 2027. A Starlink Brazil Holding Limitada foi criada para representar a empresa no Brasil, e a licença autoriza a operação de 4,4 mil satélites em órbita. Segundo deliberação da Anatel, qualquer alteração nas quantidades de satélites exigirá nova autorização.
A Starlink diz oferecer conexão sem a necessidade do investimento em uma estrutura de fibra óptica — ou seja, ligada por cabos na Terra. Segundo Zanetti, da UFSM, essa logística implica alto investimento por parte das empresas. Os custos para o consumidor baixam apenas em locais onde há usuários suficientes para dividir o valor da tecnologia, como uma cidade populosa, por exemplo. A questão financeira impede, portanto, o avanço da fibra óptica onde há poucos habitantes, caso das zonas rurais.
— Há áreas onde a rede de fibra óptica não chega por não valer a pena financeiramente instalar essa infraestrutura para poucos usuários. A ideia é diluir custos para ter uma parcela de mercado cada vez maior conectada a esse serviço. A Starlink entra para trabalhar nesse mercado que não é atendido plenamente hoje — explica o docente.
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